quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Paridade de Armas

Artigo - Paridade de armas: uma garantia de todos.

Artigo do defensor público Alexandre Brandão Rodrigues, chefe de Gabinete da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, publicado no Caderno Colunistas do jornal O Sul (Porto Alegre), em 06.09.2011, página 3.

Quando se admite que o órgão de acusação atue como parte e como fiscal da lei, se subverte a lógica do sistema acusatório e, no plano ideológico, cria-se uma superioridade da acusação em detrimento da defesa.
Há pseudodefensores da sociedade que pregam, em geral, a flexibilização das garantias penais e processuais como se fossem meras liberalidades. Esquecem que tais garantias foram conquistadas a custo de muito sangue. E, hoje, países como Egito e Líbia estão pagando um alto preço em vidas humanas para reconquistaram essas mesmas garantias. Para essas pessoas, tais garantias parecem uma liberalidade porque não estão sendo acusados, não estão respondendo a um processo. Só entendem o valor dessas garantias no momento em que o Estado aponta o seu aparato repressivo para eles ou para seus familiares. Aí, a liberalidade se transforma em direito e bradam: “Eu tenho direitos! Exijo os meus direitos!”. Isso, porque, temos uma grande dificuldade de nos colocar no lugar do outro.
Faz parte desse discurso repressivo a falácia de que o Ministério Público, além de parte, é “fiscal da lei” no processo penal. Um dos princípios básicos do sistema constitucional acusatório é o princípio da “igualdade das partes”, da paridade entre defesa e acusação. Por meio desse princípio, tanto a defesa, quanto a acusação, devem ter as mesmas oportunidades dentro do processo penal.
Quando se admite que o órgão de acusação atue como parte e como fiscal da lei, se subverte a lógica do sistema acusatório e, no plano ideológico, cria-se uma superioridade da acusação em detrimento da defesa. É a lógica inquisitorial e autoritária de que o acusador quer o “bem” e a “verdade”, e o defensor visa subverter a verdade, ou seja, quer o “mal”.
Não é só o Ministério Público que busca a defesa da ordem jurídica e a correta aplicação da lei, mas sim todos os atores envolvidos na trama judicial, ou seja, também a defesa e o próprio juízo. A acusação e a defesa apresentam as suas versões para que o órgão jurisdicional possa aplicar a justiça ao caso concreto, que pode ser tanto a condenação quanto a absolvição do acusado.
Equivocada é a tese de que o Ministério Público é o único responsável pela “defesa da ordem jurídica”, que é o fiscal da lei no processo penal, pois isso é interesse de todos. Tal tese é uma das mais nefastas para a garantia dos direitos do cidadão e um dos maiores engenhos repressivos já criados, pois, por tal tese, pode-se chegar à seguinte questão: se o Ministério Público atua no processo, qual a necessidade de defesa? Por essa tese, se uma pessoa é acusada pelo promotor, deve ser obrigatoriamente condenada, pois ele é justo, quer só o bem de todos. Assim, seria desnecessária a defesa, bem como o juiz, instituindo-se novamente a figura do inquisidor medieval. Não! Vamos afastar de uma vez por todas este tipo de pensamento! A sociedade tem o direito de processar os que, em tese, cometeram um crime. E estes, por sua vez, devem ser julgados respeitando-se todas as suas garantias.
Senhores, vamos pensar bem nas nossas escolhas, se abrirmos mão das garantias que a humanidade levou séculos para conquistar, voltaremos para a barbárie

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Janjão

"Nos anos 70, eu trabalhava no Presídio Feminino Madre Pelletier, local em que as presas iniciaram uma creche, sendo que os filhos delas ficavam dos 0 aos 6 anos. Ao completarem 6 anos, eles eram encaminhados a uma "casa mãe" custodiada pelo governo para abrigar crianças egressas da creche da Penitenciária. Pois bem, certa feita, na creche, uma presa chamada Odete deu à luz a uma criança que, no dia a dia, foi apelidado por nós funcionários de "Janjão", já que era muito apegado conosco. Quando "Janjão" completou 6 anos, a direção da casa determinou que ele fosse encaminhado a uma das "casas mãe". Infelizmente, a árdua tarefa e a incumbência de arrancá-lo da creche e do convívio com a mãe e com os demais funcionários foi minha. No fatídico dia, ele pensando que iria passear de carro de polícia com um funcionário (eu), saiu abanando feliz para todos que ficaram. Ao chegar na "casa mãe", uma casa de madeira com várias crianças no pátio e a dona vindo nos receber, tentando pegá-lo no colo, dizendo que ficaria com ele, o "Janjão" se deu conta do que estava ocorrendo. Ele me olhou e, aos prantos e aos gritos, agarrado nas minhas calças e pernas, implorava para eu não abandoná-lo lá. A Senhora tentou arrancá-lo das minhas pernas à força, dizendo que a crise passaria, que ela estava acostumada e isso era normal. Naquele momento, lembrei dos meus 3 filhos e, mesmo ciente de que estava descumprindo uma ordem superior, levei o "Janjão" de volta para a creche da Penitenciária Feminina. Entretanto, como ele não poderia ficar na creche, pois já tinha completado 6 anos e existia ordem superior para retirá-lo imediatamente, outros funcionários o levaram embora à força para a "casa mãe". Anos depois, eu já tinha dirigido a Ilha do Presídio e estava, agora, no Presídio Central de Porto Alegre, como chefe de segurança, ao entrar na cozinha dos presos, certo dia, reparei que um deles me olhava sem parar. Falei com um dos agentes para ficarem atentos àquele rapaz, pois ele não tirava os olhos de mim. Depois de vistoriar como estava sendo preparada a alimentação, ao passar por referido preso, ele me pediu para atendê-lo, quando eu tivesse tempo. Perguntei se poderia ser ali, naquele instante, ele respondeu que preferia em particular e na minha sala. Eu achando que poderia ser algum tipo de X9 (alcagüete), deixei passar um tempo para não colocá-lo em risco de morte, pois falar com o chefe de segurança, em particular, sempre acarreta inúmeros, imensos e imprevisíveis riscos. Dias depois, o recebi como se fosse para falar com seu advogado na minha sala. Ao entrar, eu jamais imaginava o que estava para ouvir naquele momento: "Seu(sic) Joelci, o senhor lembra de mim?". Olhei, fixamente, para ele tentando puxar da memória, não conseguindo lembrar. Ele disse: "Mas eu não esqueci do senhor". Perguntei por quê: "Eu sou o Janjão, filho da Odete". Fiquei pasmo, sem reação, olhando para aquele rapaz que eu vi nascer dentro de um Presídio. Perguntei: O que você está fazendo aqui Janjão? Ele disse: "Sou filho de presidiários, Seu(sic) Joelci, estou preso por vários assaltos". Ele saiu da minha sala me agradecendo por tê-lo recebido, não sem antes deixar o recado que o fez me procurar em particular: "Jamais algo de ruim vai lhe acontecer aqui dentro se eu estiver presente no momento, acredite nisso". *

*Texto retirado do Facebook do meu sogro Joelci Maia Nascimento

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Assento destinado ao MP posicionado no mesmo plano da defesa

COMARCA DE PORTO ALEGRE
1ª VARA CRIMINAL E JECRIME DO FORO REGIONAL RESTINGA
_
Procedimento administrativo n°. 02/2011
Requerente: Defensoria Pública

1. RELATÓRIO.

A DEFENSORIA PÚBLICA do Estado do Rio Grande do
Sul, por intermédio da Defensora Pública com atribuição para atuar perante esta Vara Criminal, Dra. Cleusa Maria Ribeiro Trevisan, requereu,
administrativamente, o remanejo dos móveis da sala de audiências, a fim de
que o assento destinado ao órgão do Ministério Público seja posicionado no
mesmo plano do da defesa. Nesse sentido, argumentou que o disposto no art.
4°, § 7°, da Lei Complementar 80/94, garante aos me mbros da Defensoria
Pública sentar no mesmo plano dos do Parquet. Enfatizou que o Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil estabelece não haver hierarquia entre
advogados, membros do MP e Magistrados. Afirmou que esse
reposicionamento não importa violação da garantia funcional dos órgãos do MP
de sentar “à direita” do Juiz, também reproduzida em todos os Códigos de
Organização Judiciária deste Estado, pois não significa “do lado”. Asseverou,
ainda, que a mudança da disposição cênica também atende ao princípio
constitucional da isonomia e é congruente com o sistema acusatório. Juntou
documentos.
Sucinto relatório.
Passo a fundamentar.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A recente onda de reformas do já vetusto Código de Processo Penal, dentre tantas alterações – algumas esperadas e proveitosas, outras de feitio e resultado um tanto questionável –, com inspiração no novel Princípio Constitucional da razoável duração do processo (expressamente acrescentado à Carta Magna pela Emenda Constitucional n°. 45/2004 ) e buscando mais ampla incidência do Princípio da Oralidade (e todos os seus desdobramentos) no âmbito criminal, concentrou inúmeros atos processuais em uma única e ininterrupta (em tese) solenidade, denominada de “audiência de instrução e julgamento”.

Independentemente de ter sido boa ou ruim a modificação, de – na prática – ser possível ou não levar um (rectius: a maioria de um) procedimento a seus ulteriores termos em um só momento, uma coisa parece certa: houve relevante aumento da importância da audiência para o deslinde da causa penal.

Esse rearranjo, que nada mais é do que um ponto na contínua e vagarosa mudança do desenho, paradigma, processual-penal pátrio (que se acentuou há quase vinte e dois anos, com a promulgação da vigente Constituição), proporciona bem-vinda 'janela' a repensar práticas e costumes de tempos imemoriais que, até ora, perpetuam-se.

Há os que dizem que foi este o modelo adotado; outros ressaltam que não houve, de modo expresso, acolhimento desta sorte. Seja como for, o sistema processual penal acusatório – e não suas alternativas: o inquisitivo e o misto – é o que melhor se conforma com o arcabouço axiológiconormativo da Constituição Federal.

Assim, ao atribuir ao Parquet, privativamente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabelecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais.

Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do 'acusador' e do 'julgador'; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda.

Pois bem.

A atual situação cênica dos móveis da sala de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação.

Com efeito, 'visualmente', isso transmite a um observador – que ignora os regramentos positivos e consuetudinários – a 'impressão' de, senão identidade, de proximidade das atribuições.

Tal 'ilação' é, certamente, facilitada pela circunstância de o servidor auxiliar-escrevente do Magistrado sentar em posição equivalente (imediatamente do lado esquerdo), e os Advogados e Defensores Públicos (assistentes da acusação ao lado direito; defensores, ao lado esquerdo) não, ficando, além de mais afastados, perpendicularmente ao Juiz.

Isso sem contar o fato de que, inexplicavelmente (melhor seria dizer indevidamente) que a poltrona destinada ao órgão do Parquet é, de praxe (inclusive, nesta Vara), muito mais “luxuosa” que a destinada aos Advogados e Defensores Públicos.

Nada justifica que assim seja.

Embora falar em 'paridade de armas' no âmbito do processo penal não seja de todo pacífico (afinal, beneficia-se o acusado de mais 'armas', como o Princípio do Favor Rei; a possibilidade de opor embargos infringentes e de nulidades em grau recursal e ajuizar revisão criminal etc.), há, aí, um tratamento não isonômico (desigualdade material) difícil de ser justificado.

Além disso, essa conjectura “geográfica” pode – não se deve descartar – até mesmo influenciar no deslinde dos processos. Não por alguma ascendência formal sobre a defesa: nesse ponto, a igualdade é inatacável. E sim, na colheita da prova.

Isso porque a confusão 'visual' entre Juiz e Promotor, efeito da disposição dos assentos, tende, sim, não se negue e nem fantasie, a interferir no ânimo das pessoas que prestam declarações, sobretudo no das mais simples e humildes, que, infelizmente, são a maioria absoluta das que se fazem presentes nesta Vara Criminal, cuja competência territorial abrange uma
das áreas mais pobres da Cidade.

Posto isso, há necessidade de readequação do mobiliário da sala de audiências, tal como requerido pela Defensoria Pública.

É verdade, tanto na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (1), como na Lei Orgânica do Ministério Público do Rio Grande do Sul (2)
consta ser prerrogativa do membro do Parquet sentar-se “à direita” do julgador.
Ocorre, porém, que isso é matéria de organização judiciária; e, como tal (nos termos da Constituição da República, art. 125, §1°), de competência legislativa Estadual e de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Taxativamente: as disposições citadas são inconstitucionais (na medida em que a
CF reservou ao Estado legislar sobre organização Judiciária, e, no ponto, no Estado do Rio
Grande do Sul há lei, o COJE, prevendo a forma de organização da sala de audiências).

Isso quer dizer, em última análise, que o que vale mesmo
sobre a matéria é o COJE – Código de Organização Judiciária –, que, na sua
redação atual (3) (tal qual nas versões anteriores, de 1950(4) e de 1966(5), não prevê
tratamento diferenciado aos membros do Ministério Público: só dispõe que
eles, o autor da ação e seu patrono – sic, genericamente – sentam “à direita” do Juiz.

Ainda que assim não fosse – ou seja, que constitucionais fossem as disposições das leis orgânicas antes mencionadas –, persistiria a indesejável inferência.

Ora, sentar “à direita” do Juiz não significa, em hipótese alguma, tomar assento “imediatamente ao lado direito”.

Interpretar deste jeito é ir muito além dos limites do texto legal, afirmando o que
a Lei não diz, nem sugere, nem autoriza.

Se fosse o caso, constaria “imediatamente à direita”, ou “imediatamente ao lado”, como, aliás, está consignado na exceção admitida na
Lei Orgânica do MP da União (Lei Complementar 75/93, art. 18, inciso I, alínea “a”) –
com efeito, a Lei não contém palavras inúteis. E, aliás, essa lei mesmo,
também parece ferir de morte a constitucionalidade, na medida em que viola a
disposição constitucional que ao Poder Judiciário Federal, no âmbito federal, e
ao Poder Judiciário dos Estados cabe a iniciativa de leis que tratem da
organização judiciária, como é o caso da organização das salas e sessões de
julgamento.

Por outro prisma, o da ponderação das funções do
Ministério Público, chega-se à idêntica ilação.

De fato, nos processos (cíveis) versando sobre interesses
de incapazes, causas sobre o estado das pessoas etc., em que o Parquet nada
pede, nem tem nada contra si pedido, intervindo como custos legis, é até
compreensível que se situe no mesmo plano ao lado do Juiz: estaria ali como
desinteressado na lide posta.

O mesmo, todavia, não ocorre na ação penal (pública).

Nela, é o órgão MP que decide pela sua proposição ou não (forma sua opinio
delicti); é quem tem o ônus de provar seus termos; isso sem falar nos casos em
que investiga pessoalmente determinada notitia criminis.

Seu papel, aí então, não é de parecerista, custos legis,
mas, sim, autêntica e primordialmente, de acusador público (6).

O que foge disso é acidental, secundário.

Por isso, não lhe é exigido – nem, acrescento, seria exigível –
imparcialidade, a não ser, nos termos legais, a ausência de 'impedimento' e de
'suspeição' do respectivo órgão.

Afinal, como é possível fazê-lo (demandá-la) daquele sujeito
que tem que previamente se convencer da existência de um crime e de que não está a acusar pessoa 'inocente'; daquele que tem contato direto com a Polícia (cujo controle externo exerce), de quem cobra a produção de provas contundentes e inequívocas; daquele que recebe, mais diretamente, influxos sociais clamando por segurança pública, muitas vezes com contato direto com as vítimas e com todas as aflições que lhes acometem; daquele que tem de laborar no sentido de provar os pedidos que fez, sob pena de, ao fim, tê-los julgado improcedentes.

Em suma: o fardo de acusar é pesado demais para a pessoa. Por mais bem intencionada, equilibrada e 'distante' que se consiga manter dos casos, terá, em maior ou menor medida, suas percepções obnubiladas por essa gama de fatores; será parcial. Isto caracteriza quem é parte.
Isso, friso, não é demérito; não acarreta perda de
prestígio ou credibilidade.

Pelo contrário, é importante – ou melhor: essencial – a presença de um acusador público comprometido com os casos ajuizados
ao pleno contraditório, à dialética processual. É isso que a sociedade espera.
Nesse panorama, não tem sentido o órgão do MP que atua no âmbito criminal – diga-se mais uma vez: como acusador público – ter assento imediatamente do lado do Juiz; não há porquê colocar-se como 'imparcial', quando, de fato, não é.

A corroborar esse entendimento, reporto-me a precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que bem se amolda ao tema:
“JURI. ASSENTO DO M.P. ALTERACÃO. PRINCÍPIO
DA ISONOMIA. PREVALÊNCIA DA MAIORIA. Mandado de
segurança. Assento do M.P. como parte autora. Denegação do
‘writ’. A alteração da disposição da sala de audiências em Tribunal
do Júri com remoção do assento do Ministério Público para posicionálo
no mesmo patamar do assento da Defesa, não importa em violação
da prerrogativa funcional traduzida pelo posicionamento à direita do
seu Presidente à vista da disposição do art. 41, XI da Lei Federal
8625/93 (L.O.M.P.) e, ‘ipso facto’, do art. 82, X da Lei Complementar
Estadual 106/03, mas, ao contrario, atende à norma constitucional
que assegura às partes, em processo judicial penal, tratamento
isonômico. A plenitude e a efetividade do ‘equilíbrio de armas’ no
contraditório justificam a necessidade de o Juiz envidar todos os
meios necessários para evitar que a disparidade de posições cênicas
possa influir no êxito de uma demanda penal, condicionando-o a uma
distribuição desigual de forcas, pois a quem acusa e a quem se
defende em Juízo, notadamente no Tribunal do Júri, devem ser
asseguradas às mesmas possibilidades de sucesso na obtenção da
tutela de suas razões. Inexistência de direito liquido e certo a ser
amparado pela via mandamental. Precedentes citados: STJ - HC
18166/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 19/02/2002. STF
- RMS 21884/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/05/1994”
(TJRJ, 7.ª Câmara Criminal, Rel. Des. EDUARDO MAYR, Mandado de
Segurança 35/2004).

Somando-se a tudo isso, há, ainda, um outro dado a ser
relevado: gozam os Defensores Públicos, nos termos da Lei Complementar
80/94, art. 4°, §7° (7), da garantia de sentar no mesmo plano do Ministério Público.

Pois bem.

Para ser efetivada, tal norma, necessariamente, impõe o
remanejo do lugar costumeiramente destinado ao Parquet, pois a alternativa (os
representantes de ambas as instituições ficarem no plano sentarem-se horizontalmente em
relação ao Julgador) é impossível.

Isso porque o Juiz deve, por razões de ordem
administrativo-prática, estar próximo do escrivão, seu auxiliar, que, de praxe,
senta logo à sua esquerda; e, de outro lado, à sua direita, o estenotipista, que
deve estar posicionado de modo a, além de escutar, poder ver os movimentos
labiais das pessoas que perguntam e expõem em audiência, a para melhor
desempenhar seu mister (registrar os acontecimentos).

Ademais disso, assim como não é razoável estabelecer
diferenciação entre o Ministério Público e os demais atores parciais (assistentes
da acusação e defensores), no que diz como os assentos na sala de audiências,
tampouco é fazê-lo entre Defensores Públicos e Advogados.
Assim, seja pela previsão da lei local (COJE), em vigor e
recepcionado, no ponto, pela CF; seja porque a LOMIN ou outro estatuto do
MP não preveja a prerrogativa de sentar “ao lado” do Juiz (como expressamente
inclusa no caso que quis ressalvar); seja porque, por necessidade e conveniência da
administração da Justiça (organização dos auxiliares diretos do Juiz), deve haver a
adequação pretendida.

3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, ACOLHO o requerimento administrativo
formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e
DETERMINO a alteração do mobiliário da sala de audiências, de modo que seja removido o assento ora destinado ao órgão do Ministério Público, que deverá, quando comparecer às solenidades aprazadas pelo Juízo, tomar lugar nos remanescentes que se situam “à direita” (e não ao lado) do Julgador.
Intimem-se o órgão do Ministério Público e da Defensoria
Pública que atualmente têm atribuição para oficiar perante esta Vara Criminal –
autorizado extração livres de cópias.

Remetam-se cópias do pedido inicial e desta decisão: 1)
ao Presidente do Tribunal de Justiça; 2) ao Corregedor-Geral de Justiça; 3) ao
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do TJ; 4) ao Presidente da
OAB/RS; 5) ao Diretor de Valorização Profissional da OAB/RS; 6) ao
Presidente da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul; e 7) ao
Presidente da AMB – Associação dos Magistrados do Brasil, em Brasília.
E encaminhe-se cópia integral do expediente para o
Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Procedam-se às diligências necessárias à reorganização
dos móveis, inclusive com ciência ao Estenotipista.

Porto Alegre, 19 de julho de 2011.

MAURO CAUM GONÇALVES
Juiz de Direito Substituto
1ª Vara Criminal e JECrim
Foro Regional da Restinga

1 Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93): “Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: [...] Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica”.

2 Lei Estadual 7.669/82: "Art. 35 - Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções: [...] II - tomar assento à direita dos juízes singulares ou do Presidente do Tribunal e dos órgãos fracionários do Tribunal".

3 Lei Estadual 7.356/80: “Durante as audiências, o agente do Ministério Público sentará à direita do Juiz, o mesmo fazendo o patrono do autor e este; à esquerda, tomarão assento o Escrivão, o patrono do réu e este, ficando a testemunha à frente do Juiz”.

4 Lei 1008/1950: “Art. 255 - Ao lado direito da sede do juiz assentar-se-á o representante do Ministério Público, quando tiver de oficiar em audiência ou exercer suas funções perante os tribunais”.

5 Lei 5256/66: “Art. 248 – Durante as audiências, sentará à direita do juiz o órgão do Ministério Público e o advogado do autor, e à esquerda, após o escrivão, o réu, ao lado dos patronos terão assento as partes, ficando a testemunha à frente do juiz”.

6 Em sentido semelhante, mais especificamente, na linha de que o MP no processo penal é parte, trago à baila julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INVERSÃO NA ORDEM
DAS FALAS EM PLENÁRIO. PREJUÍZO CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. As
atribuições de custos legis têm-nas sempre o Ministério Público, qualquer que seja a
natureza da função que esteja a exercer - enquanto lhe decorre da própria natureza da
instituição, cumulando-as com aqueloutras de parte no processo penal da ação pública,
incindivelmente por razões evidentes. 2. O Ministério Público, nos processos de ação
penal pública, que lhe incumbe promover, privativamente, como função institucional
(Constituição da República, artigo 129, inciso I), é sempre parte, mesmo no grau
recursal, em que ocorre o fenômeno da sucessão de órgãos na posição do autor na
relação processual. 3. Viola os princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, com iniludíveis reflexos na defesa do paciente, a inversão das falas das partes em sessão de julgamento de recursos (Precedentes). 4. Ordem concedida para anular o julgamento de recurso em sentido estrito, determinando-se que outro se proceda. (HC 18166/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2002, DJ 24/02/2003, p. 308).

7 "Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: [...] § 7º Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público".

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Twitter e o Não Ter


Através do meu twitter @Lisi_Alves, acompanho notícias, artigos, jurisprudência, pensamentos e sentimentos alheios. Sigo pessoas inteligentes e interessantes, autoridades públicas, juízes, delegados, defensores, juristas etc. Sigo, também, pessoas desconhecidas de todas as idades e fico analisando a vida de quem tudo tem: saúde, liberdade, família, amor, amigos, contatos profissionais, computador, informação, internet, twitter e facebook. Esses, além de terem muita gente por eles, têm também essas maravilhosas ferramentas da rede social para protestarem contra concessionárias de automóveis, fabricantes de geladeiras, lojas em geral. Não é raro, inclusive, resolverem suas relações consumeiristas após reiteradas reclamações no twitter.  É possível observar pessoas desprovidas de conteúdo, com acesso fácil a tudo que o dinheiro pode patrocinar e que em nada se assemelham à realidade dos meus assistidos, pessoas desvalidas que não têm alimentação, saúde, liberdade, família, muito menos informação, computador, internet, twitter.
Para cada um a vida revela um punhado de desgraça sem a possibilidade de um futuro promissor. Na fila da Defensoria Pública, percebe-se que são irremediáveis as mazelas e infortúnios vividos. Pessoas que estão ali sem nossos bens mais preciosos. A cada liminar para obtenção de medicamentos indeferida na área cível, uma vida desperdiçada. A cada liminar indeferida na área penal, uma liberdade perdida. Pessoas que sofrem abusos físicos e emocionais de toda ordem, pessoas que não têm a quem reclamar a não ser para um Defensor Público que, acima de tudo, representa o acesso à solução de suas vidas.
Atender aos mais necessitados é virtude a transbordar do espírito e do coração, das profundezas da alma, da altivez do caráter, das convicções inamovíveis, do senso de honra, do sentimento de justiça, da fé na verdade e na esperança no bem. O que nos motiva no labor diário é a imensa piedade pela dor humana, pela pobre condição do homem peregrino, ferido de agonia, pois o nosso direito não é o direito para os poucos que têm, é o direito para que todos possuam. Sejamos, pois, seres sensíveis capazes de nos apaixonarmos pelas causas dos desamparados a operacionalizar ferramentas para prestar assistência a pessoas humildes que convivem com as misérias de pão e de caráter, transvios abertos nas infâncias sem afeto.

domingo, 15 de maio de 2011

Inovações introduzidas pela Lei nº 12.403 e uma breve reflexão da tragédia social gerada pela prisão preventiva simultânea de pai e mãe

Com a sanção da nova Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, percebe-se que há muito a ser estudado e comentado, especialmente, no que se refere à possibilidade de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.

Especial atenção deve merecer um inciso que vai provocar polêmica, no dia a dia dos militantes do direito, em especial quando o público-alvo se constitui, preponderantemente, de acusados desprovidos de recursos financeiros, oriundos de famílias emocional e socialmente desestruturadas.

Trata-se da norma contida no inciso III do artigo 318 do Código de Processo Penal que permite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar quando o agente for “– imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência”.

Sob a ótica familiar, cediças a gravidade dos danos e a tragédia social ocasionadas pela prisão preventiva conjunta de pais e mães, deixando desamparadas crianças inocentes que são encaminhadas para os denominados abrigos.

Cita-se a “Operação Poeta” da Polícia Federal, deflagrada em outubro de 2008, em Porto Alegre que, além de outras circunstâncias, apurou envolvimento de um jovem casal com tráfico ilícito de entorpecentes,  cujo filho, de tenra idade, possuía severa deficiência mental.  Segundo o relatório da autoridade policial, a prisão do marido e a soltura da esposa teria sido “negociada” por um advogado, dentro de uma delegacia local, pelo valor de R$ 6.000,00, já que a mãe era quem cuidava do menor.

Inexoravelmente, o caso em concreto nos remete a uma reflexão: se pai e mãe são presos provisoriamente, qual critério a ser utilizado para substituir a segregação preventiva pela domiciliar a um deles, nos moldes do mencionado inciso? Quem é mais importante para a criança de até seis anos de idade, pai ou mãe?

Segundo especialistas, o nascimento de um bebê constitui o primeiro trauma da criança, pois até então não necessitava de qualquer esforço para respirar e alimentar-se, sendo, dentre todos os mamíferos, o que vem ao mundo mais desamparado e desprotegido, e o que durante mais tempo exige cuidados para sobreviver. Além desse extremo desamparo biológico, ato contínuo, depara o bebê com a mais sagrada das ansiedades, ao reconhecer-se humano nos olhos do amor materno. Mencionado reconhecimento nos remete ao próximo estágio, a vinculação. Em um primeiro momento, a criança é a extensão do ser significativo (a mãe), pois, até próximo dos dois anos, o bebê ainda não se reconhece como ser único, singular e, sim, uma extensão da mãe (simbiose maternofilial).

Reconhecer-se como um ser singular, portanto, significa nosso segundo momento de trauma de separação, porém, necessário para a construção de um ser individual, mas ainda dependente e vinculado à mãe, inclusive pela amamentação. Ressalte-se que o vínculo e o trabalho de construção da autonomia poderão ensejar um indivíduo seguro e independente.

Paradoxalmente, em razão da vulnerabilidade da criança, esse trabalho psíquico necessita do amor e da proteção materna, razão pela qual toda e qualquer separação dinamita esse processo, sendo extremamente danoso à construção da subjetividade. Há que se ressaltar, ainda, que, durante esse processo, a criança faz registros emocionais de tudo o que vivencia, e a prisão da mãe seria um inesperado e anormal terceiro momento de trauma de separação.

Afinal, pior do que a chaga social das creches dentro de penitenciárias, criadas em prol do bem-estar dos infantes, inserindo-os em um ambiente prisional e imprimindo, no seu inconsciente, esta experiência que lhes será familiar, é  remetê-los para instituições totais, sendo, abruptamente, separados de ambos os pais.

As primeiras relações são o alicerce que fundam o modo de funcionamento psíquico daquele ser, pois formam uma verdadeira matriz inconsciente, que será, posteriormente, reeditada nas relações afetivas futuras da vida adulta (síndrome do amor negativo). Por isso, relações doentias e insatisfatórias, nos primeiros anos de vida, podem estar relacionadas com dificuldades psicológicas posteriores.

A relação binária pré-edipiana, em que a criança lida apenas com um alter ego (mãe), evolui, posteriormente, para o momento do complexo de Édipo, surgindo a figura do pai como intruso e vilão, intervindo na relação e introduzindo a ordem, instaurando a lei pela proibição do incesto.*

Portanto, ao optar pela concessão da prisão domiciliar à genitora, nesta árdua, desgastante e espinhosa decisão, por outro lado, manterá o magistrado o pai preso, sendo que a figura paterna é a responsável pela inserção, na criança, dos contensores internos, o superego, formando um ser com limites sociais, principalmente, durante a primeira infância, ou seja, antes dos sete anos de idade (idade, aliás, que havia sido objeto do projeto de lei na sua fase inicial).

Assim, pelo aspecto biológico, a função do pai, como representante da lei, assume uma dimensão substancial dentro do lar na formação do superego.

Para Freud, com efeito, o superego é o herdeiro do complexo de Édipo, pois só se estabelece após a libertação, por parte do indivíduo, desse complexo. Portanto, tem a missão de reprimir o complexo de Édipo, exercendo o papel semelhante ao de um policial ou juiz em relação às exigências do ego, funcionando como consciência moral .*

Assim, a ausência e privação da figura paterna, como modelo de identificação e diferenciação mental, interrompendo a relação diádica com a mãe, e fundando a noção de lei, reforça os sentimentos de triunfo, de poder e total ausência de limites sociais.*

Dessa forma, uma relação triangular rompida pela prisão do pai irá prejudicar a vigência da lei dentro do lar, já que vai mascarar a sua transgressão, rachando a dinâmica da culpa.*

Obviamente, mais graves são os casos de crianças que vão para abrigos em razão da prisão preventiva de pai e mãe, sendo afastadas, abruptamente, da função paterna e materna. Já crianças que permanecem no seio familiar serão menos atingidas, pois a função pode ser exercida por qualquer um, não sendo somente prerrogativa de pais e mães biológicos.

Paradoxalmente, a prisão preventiva do pai pelo cumprimento da letra fria da lei, retira o seu próprio representante psicológico de dentro do seio familiar. Nossas cadeias estão lotadas, a sociedade prende, indiscriminadamente, impedindo a formação correta do superego nos filhos dos presos. Mais tarde, na época em que a própria sociedade e o superego deveriam assumir o lugar dos pais dessas crianças, impedindo-os de delinquir na fase adulta, encontra seres aleijados emocionalmente. Portanto, em um círculo vicioso sem fim, persiste a comunidade em geral em exigir a construção de mais presídios com a finalidade de prender “monstros” que ela mesma cria. 

Tais reflexões nos remetem ao questionamento que, necessariamente, deveria ser feito, especialmente, quando a segregação utiliza, não raras vezes, de forma indiscriminada, o argumento genérico da “garantia da ordem pública”, acerca dos efeitos maléficos de tal medida.

Aliás, infelizmente, quanto às hipóteses permissivas da decretação, nada mudou. Segue, portanto, possível a decretação de prisão cautelar com base na genérica “garantia da ordem pública” em que pese a redação original do projeto de lei.

O texto do artigo 312 NÃO aprovado era o seguinte:

“A prisão preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa.”

   Cotejando-se o texto NÃO aprovado com a sua redação final, percebe-se que a proposta inicial continha a conjunção "e" que é uma conjunção aditiva, transmitindo a idéia de soma: existência de crime + indícios suficientes de autoria + fundadas razões de que o indiciado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa.

Portanto, uma lástima a redação NÃO TER SIDO APROVADA, pois estaríamos conduzindo, verdadeiramente, nosso labor, como operadores do direito, ao encontro da verdadeira ordem pública.

Como a redação foi modificada, o diferencial da lei aprovada e sancionada, portanto, restringe-se às medidas cautelares alternativas à prisão, listadas nos artigos 317 e 319 e à possibilidade de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.

Destaca-se, pois, o inciso III do artigo 318 como a parte mais humanizadora a ser comemorada por quem ainda acredita na possibilidade de um direito penal de garantias, pois, de uma forma objetiva, procura realmente atender ao princípio da personalidade, restabelecendo a paz social. Acredito que ainda não seja a solução do problema, pois, talvez, não esteja ela nas cautelares alternativas, nas alternativas ao castigo, mas, sim, em não fabricar castigados.

*TRINDADE, JORGE. Delinquência Juvenil - Uma abordagem transdisciplinar, Livraria do Advogado, 2ª Edição, 1996