quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Janjão

"Nos anos 70, eu trabalhava no Presídio Feminino Madre Pelletier, local em que as presas iniciaram uma creche, sendo que os filhos delas ficavam dos 0 aos 6 anos. Ao completarem 6 anos, eles eram encaminhados a uma "casa mãe" custodiada pelo governo para abrigar crianças egressas da creche da Penitenciária. Pois bem, certa feita, na creche, uma presa chamada Odete deu à luz a uma criança que, no dia a dia, foi apelidado por nós funcionários de "Janjão", já que era muito apegado conosco. Quando "Janjão" completou 6 anos, a direção da casa determinou que ele fosse encaminhado a uma das "casas mãe". Infelizmente, a árdua tarefa e a incumbência de arrancá-lo da creche e do convívio com a mãe e com os demais funcionários foi minha. No fatídico dia, ele pensando que iria passear de carro de polícia com um funcionário (eu), saiu abanando feliz para todos que ficaram. Ao chegar na "casa mãe", uma casa de madeira com várias crianças no pátio e a dona vindo nos receber, tentando pegá-lo no colo, dizendo que ficaria com ele, o "Janjão" se deu conta do que estava ocorrendo. Ele me olhou e, aos prantos e aos gritos, agarrado nas minhas calças e pernas, implorava para eu não abandoná-lo lá. A Senhora tentou arrancá-lo das minhas pernas à força, dizendo que a crise passaria, que ela estava acostumada e isso era normal. Naquele momento, lembrei dos meus 3 filhos e, mesmo ciente de que estava descumprindo uma ordem superior, levei o "Janjão" de volta para a creche da Penitenciária Feminina. Entretanto, como ele não poderia ficar na creche, pois já tinha completado 6 anos e existia ordem superior para retirá-lo imediatamente, outros funcionários o levaram embora à força para a "casa mãe". Anos depois, eu já tinha dirigido a Ilha do Presídio e estava, agora, no Presídio Central de Porto Alegre, como chefe de segurança, ao entrar na cozinha dos presos, certo dia, reparei que um deles me olhava sem parar. Falei com um dos agentes para ficarem atentos àquele rapaz, pois ele não tirava os olhos de mim. Depois de vistoriar como estava sendo preparada a alimentação, ao passar por referido preso, ele me pediu para atendê-lo, quando eu tivesse tempo. Perguntei se poderia ser ali, naquele instante, ele respondeu que preferia em particular e na minha sala. Eu achando que poderia ser algum tipo de X9 (alcagüete), deixei passar um tempo para não colocá-lo em risco de morte, pois falar com o chefe de segurança, em particular, sempre acarreta inúmeros, imensos e imprevisíveis riscos. Dias depois, o recebi como se fosse para falar com seu advogado na minha sala. Ao entrar, eu jamais imaginava o que estava para ouvir naquele momento: "Seu(sic) Joelci, o senhor lembra de mim?". Olhei, fixamente, para ele tentando puxar da memória, não conseguindo lembrar. Ele disse: "Mas eu não esqueci do senhor". Perguntei por quê: "Eu sou o Janjão, filho da Odete". Fiquei pasmo, sem reação, olhando para aquele rapaz que eu vi nascer dentro de um Presídio. Perguntei: O que você está fazendo aqui Janjão? Ele disse: "Sou filho de presidiários, Seu(sic) Joelci, estou preso por vários assaltos". Ele saiu da minha sala me agradecendo por tê-lo recebido, não sem antes deixar o recado que o fez me procurar em particular: "Jamais algo de ruim vai lhe acontecer aqui dentro se eu estiver presente no momento, acredite nisso". *

*Texto retirado do Facebook do meu sogro Joelci Maia Nascimento